As Associações Regionais de Andebol ocupam um lugar de destaque na organização do desporto em Portugal. Pela sua proximidade geográfica, são a ponte entre os clubes e a Federação, e detêm competências que vão desde a organização das competições locais até à formação de agentes desportivos. São, em teoria, estruturas de suporte, desenvolvimento e dinamização. No papel, têm um papel nobre. Mas será que, na prática, estão realmente a cumprir esse desígnio?
Como alguém que vive o andebol diariamente, dentro dos clubes, nos pavilhões, nos treinos com poucos miúdos e nas reuniões com escassos recursos, sinto que as Associações Regionais, apesar de cumprirem as suas obrigações formais, estão demasiado distantes da realidade concreta dos clubes.
O desfasamento entre estrutura e terreno
Os clubes vivem um quotidiano difícil. A maioria depende de um número reduzido de pessoas que acumulam funções (dirigentes, treinadores, motoristas, cozinheiros, entre outras). Enfrentam dificuldades financeiras crónicas, escassez de espaços de treino e uma luta permanente para manter jovens motivados e comprometidos num mundo cada vez mais disperso.
E é precisamente aqui que se nota a ausência mais sentida das Associações: a ausência de uma intervenção estratégica, contínua e prática no apoio ao funcionamento real dos clubes.
As Associações tendem a ficar presas ao lado regulatório e burocrático. Regulamentos, inscrições, sorteios, castigos, relatórios — tudo feito com rigor, sim, mas sem olhar para o que realmente faz o andebol acontecer: as pessoas, os projetos, os contextos locais. Aparecer para entregar medalhas numa final ou visitar um clube em dia de festa é fácil. Mas onde estão nos momentos difíceis? Onde estão quando um clube perde um treinador e não sabe como continuar? Quando não há pavilhão para treinar? Quando a formação de base está estagnada?

Uma crítica necessária: o perigo do imobilismo
O maior risco das Associações Regionais é acomodarem-se à sua função técnica e deixarem de pensar estrategicamente. Limitar-se a “fazer cumprir o calendário” não é suficiente. Quando uma estrutura regional se limita à gestão do mínimo necessário, está a falhar a sua missão de desenvolvimento.
É preciso mais ambição. Mais visão. Mais proximidade. E, acima de tudo, mais coragem para sair do conforto da organização formal e mergulhar na realidade complexa dos clubes de base.
A crítica é dura, mas necessária. Porque, quando falamos de desenvolvimento do andebol, não podemos ignorar que muito do futuro da modalidade depende da qualidade da intervenção destas Associações.
Caminhos possíveis: de entidades organizadoras a agentes de desenvolvimento
Mas a crítica só faz sentido se vier acompanhada de propostas. E há muito que pode ser feito, mesmo com recursos limitados, se houver vontade política, espírito de colaboração e visão de longo prazo.
Acompanhamento técnico e organizativo aos clubes
As Associações podem (e devem) visitar regularmente os clubes, não apenas para fiscalizar, mas para ajudar. Disponibilizar técnicos experientes que possam apoiar projetos de formação, oferecer orientação na gestão desportiva e apoiar na captação de patrocínios ou candidaturas a apoios.
Redes regionais de partilha de recursos
Por que não criar mecanismos de empréstimo partilhado de equipamentos, treinadores ou até de transporte entre clubes? A lógica colaborativa pode ajudar a ultrapassar dificuldades que, isoladamente, parecem insuperáveis.
Planos de formação contínua adaptados à realidade local
Mais do que formações genéricas, as Associações podem organizar módulos práticos e acessíveis, centrados nas dificuldades reais dos clubes, como planear treinos com poucos atletas, como captar e manter jovens, como envolver as famílias, etc.
Projetos de base em parceria com escolas e autarquias
Cabe às Associações liderar iniciativas regionais de fomento da modalidade nas escolas, criando pontes entre os clubes e os agrupamentos escolares. A presença nos territórios escolares é vital para garantir a renovação de atletas.
Intervenção política junto de autarquias e da Federação
As Associações devem ter voz ativa. Podem (e devem) pressionar as autarquias a investir em melhores condições para o andebol, lutar por mais horários de pavilhão e influenciar a Federação a criar políticas mais justas e inclusivas para o interior, para as regiões com menos população ou menor tradição desportiva.
Criação de um observatório regional do andebol
Por que não monitorizar indicadores de saúde dos clubes? Número de atletas, taxas de abandono, crescimento da formação, necessidades de apoio, dados que permitam intervir de forma planeada e eficaz.

Um novo papel: de regulador a parceiro
Está na hora de repensar o papel das Associações. Elas não devem ser apenas reguladores ou organizadores. Devem ser parceiros ativos dos clubes. Devem ser líderes regionais de desenvolvimento desportivo. Devem estar onde os clubes estão, não só nos pavilhões, mas nos problemas, nas ideias, nas soluções.
E, para isso, é preciso mudar mentalidades. Mudar prioridades. E, sobretudo, escutar mais. Porque os clubes não precisam apenas de ser “controlados”. Precisam de ser compreendidos, apoiados e desafiados a crescer.
Reforçar o papel das Associações Regionais de Andebol não é apenas um objetivo administrativo. É um passo essencial para garantir que o andebol em Portugal tenha um futuro mais forte, mais justo e mais sustentável.
A pergunta que se impõe não é apenas “o que estão a fazer?”, mas sim:
“O que mais podem e devem fazer pelas pessoas que, todos os dias, mantêm o andebol vivo?”
E mais não digo…