Os titulares de cargos políticos em Portugal vão assistir, a partir deste mês, a um aumento salarial significativo, que pode atingir os 650 euros brutos mensais, em função de uma dupla alteração legislativa: o fim da penalização salarial de 5%, em vigor desde os tempos da troika, e a atualização geral dos vencimentos da Função Pública em 2,15%, conforme estipulado no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). Esta medida, aprovada por proposta do PSD e do CDS, reflete um retorno à normalidade remuneratória, mas levanta questões sobre a perceção pública e as responsabilidades associadas a estes cargos.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é o maior beneficiário desta revisão, com o seu vencimento mensal bruto a aumentar em cerca de 650 euros, passando de 11.068,2 euros para 11.718,2 euros. Este valor resulta da combinação do seu salário base, que ascende a 8.370,14 euros após a atualização, e de um abono para despesas de representação, fixado em 3.348,06 euros. Contudo, os valores líquidos, após a dedução de impostos, contribuições sociais e ADSE, reduzirão significativamente este montante para cerca de 6.000 euros.
O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, também vê o seu vencimento mensal bruto aumentar para 9.374,55 euros, um acréscimo de 525 euros face ao ano anterior. Este montante inclui um salário base de 6.696,11 euros, a que se somam 2.678,44 euros em despesas de representação, valores estipulados pelo estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, terá um aumento de 472 euros, passando a auferir 8.768,65 euros mensais brutos, resultado de um salário base de 6.277,61 euros e despesas de representação de 2.491,04 euros. Por sua vez, os ministros e secretários de Estado vão beneficiar de aumentos de 427 e 389 euros, respetivamente, totalizando vencimentos brutos de 7.616,83 euros e 6.779,81 euros, já com as despesas de representação incluídas.
No Parlamento, os deputados passarão a receber 4.185,07 euros brutos mensais, o que representa um acréscimo de 293 euros. Para os que exercem funções em regime de exclusividade, o montante sobe para 4.603,58 euros, devido a um abono adicional correspondente a 10% do salário base. Já os vice-presidentes da Assembleia da República, que auferem um abono de 25% sobre o salário base, passarão a ganhar 5.231,34 euros mensais brutos.
Os aumentos salariais estendem-se também aos âmbitos municipais. Presidentes de câmara e vereadores vão beneficiar do fim da penalização de 5% e das atualizações remuneratórias. Em câmaras com mais de 40 mil eleitores, como Lisboa, Porto ou Cascais, os presidentes passarão a receber 5.440,60 euros mensais brutos, mais 319 euros face ao ano anterior, incluindo despesas de representação de 1.632,18 euros. Nos municípios de menor dimensão, com até 10 mil eleitores, os presidentes terão um vencimento total de 4.352,48 euros, o que corresponde a um aumento de 255 euros.
Estas alterações salariais foram calculadas com base na legislação em vigor, nomeadamente no estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, que indexa os vencimentos ao do Presidente da República, variando em percentagens fixas consoante o cargo exercido. Para além disso, estas retribuições são complementadas por abonos para despesas de representação, que têm também uma base percentual sobre os vencimentos.
As reativações das ajudas de custo para alojamento, alimentação e deslocação, retiradas durante o período de resgate financeiro, foram também aprovadas pelo Governo de Luís Montenegro. Contudo, estas serão limitadas e reguladas por uma portaria a ser emitida pelos Ministérios das Finanças e da Presidência. Estas medidas marcam uma viragem em relação à austeridade imposta pela troika, mas levantam questões sobre a adequação e o momento político da sua implementação.
Apesar da reposição salarial ser considerada positiva por especialistas, que apontam para a necessidade de atrair competências e assegurar estabilidade no exercício de funções públicas de alto nível, estas alterações são susceptíveis de alimentar críticas populistas. Com o salário médio nacional a situar-se nos 1.528 euros mensais, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a disparidade salarial entre a classe política e os cidadãos comuns é evidente, potenciando protestos e descontentamento social.
Um exemplo deste clima de tensão foi a ação de protesto realizada pelo partido Chega, que, durante a discussão da medida, colocou tarjas nas janelas do Parlamento, num ato considerado como vandalismo pelo presidente da Assembleia da República. Paralelamente, o Livre anunciou uma iniciativa para fomentar a formação política, enquanto o Chega propôs doar o valor dos aumentos a instituições de solidariedade social, uma proposta que visa capitalizar o descontentamento popular com os aumentos salariais.
Com as medidas agora em vigor, Portugal encerra um capítulo de contenção salarial imposto pela crise financeira e abre uma nova etapa, onde o debate sobre a equidade, a transparência e a responsabilidade política estará inevitavelmente no centro da agenda pública.