O mundo do futebol português despede-se de José Carlos, um dos seus nomes maiores, que faleceu aos 83 anos. Figura incontornável da geração dos “Magriços” — a seleção nacional que conquistou o terceiro lugar no Mundial de 1966 —, José Carlos ficará para sempre associado não apenas aos êxitos como jogador do Sporting Clube de Portugal e da seleção nacional, mas também àquela que foi uma das maiores epopeias desportivas do futebol de Águeda: a histórica subida do Recreio Desportivo de Águeda à Primeira Divisão, na época 1982/83.
De defesa seguro a líder de homens
Natural de Vila Franca de Xira, José Carlos da Silva José cedo se destacou pelo seu rigor, liderança e paixão pelo jogo. Como defesa central do Sporting, conquistou três campeonatos nacionais, quatro Taças de Portugal e a mítica Taça das Taças de 1964, sendo reconhecido como um pilar da equipa verde e branca durante mais de uma década. Representou a seleção portuguesa em 36 ocasiões e foi parte ativa da geração que projetou Portugal no cenário mundial do futebol pela primeira vez.
No entanto, se a sua carreira como jogador se revestiu de glória, o seu percurso como treinador foi igualmente marcante — sobretudo para quem, em Águeda, pôde testemunhar de perto o seu legado.

Águeda em estado de graça: a época mágica de 1982/83
Em 1982, José Carlos assumiu o comando técnico do Recreio Desportivo de Águeda. O clube, então longe das luzes da ribalta, sonhava com um lugar entre os grandes, num tempo em que Portugal ainda vivia muito da memória do Mundial de 1966 e as oportunidades de ascensão eram duras e escassas.
Sob a liderança de José Carlos, o Recreio transformou esse sonho em realidade. A equipa exibiu uma coesão notável, construída num ambiente de profundo respeito entre treinador, jogadores e direção — liderada na altura por Joaquim Albano Costa. Foi um exemplo raro de compromisso e de espírito coletivo, em que cada treino, cada palestra e cada decisão estratégica revelavam a exigência, a visão e a humanidade de José Carlos.
A caminhada foi épica. O Recreio de Águeda travou uma renhida luta pela subida com o Académico de Coimbra, culminando numa histórica promoção que, ainda hoje, é recordada como um dos momentos mais altos da vida desportiva da cidade.
Um exemplo para gerações
Para muitos que acompanharam de perto aquela época — vivendo os treinos, as conversas e as decisões de bastidores —, José Carlos tornou-se mais do que um treinador de futebol: tornou-se uma referência de vida. Foi graças ao seu exemplo que muitos começaram a ver o futebol de uma forma diferente: não apenas como um jogo, mas como uma escola de liderança, de valores e de superação pessoal.
O seu método rigoroso mas humano, a forma como transmitia confiança e responsabilidade, moldou mentalidades e deixou sementes que frutificaram muito para além das quatro linhas.

O adeus de um símbolo
Depois de Águeda, José Carlos continuou a sua carreira de treinador em clubes como o Boavista, Famalicão, Varzim, Desportivo de Chaves, Gil Vicente e Penafiel. Mas a sua passagem por Águeda permanece como um dos marcos mais acarinhados, um capítulo de ouro que projetou o clube e a cidade para um patamar inédito.
Em 2015, na celebração dos 91 anos do Recreio Desportivo de Águeda, José Carlos voltou à cidade que o acolheu como herói. Foi num desses momentos de reencontro, onde a memória e a gratidão se cruzaram, que muitos puderam expressar-lhe pessoalmente a dívida de inspiração que sentiam para com ele.
O desaparecimento de José Carlos leva consigo uma parte da história do futebol português, mas deixa também um legado intemporal: o de que a liderança verdadeira se faz com paixão, com exigência e, acima de tudo, com exemplo.
Hoje, Águeda recorda-o com respeito, com emoção e com a certeza de que a sua estrela continuará a brilhar nas memórias de todos aqueles que um dia, guiados pelo seu exemplo, começaram a sonhar mais alto.