Uma investigação transnacional, conduzida pelas autoridades portuguesas em articulação com congéneres de vários países europeus e da América Central, permitiu desmantelar uma rede de tráfico de cocaína que, durante anos, utilizou uma empresa sediada em Aveiro como base logística para a entrada e redistribuição de droga em solo europeu. O cartel, com ramificações na Colômbia, República Dominicana e Costa Rica, é considerado pelas autoridades um dos mais ativos e perigosos a operar a nível mundial.
A Polícia Judiciária (PJ), através da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), em colaboração com a Europol, conduziu uma série de investigações e operações, que culminaram com a detenção da liderança do cartel na Costa Rica no passado dia 12 de junho, após uma ofensiva policial coordenada.
Esquema logístico envolvia contentores com fruta e alimentos congelados
O modus operandi da organização passava pela compra de cocaína na Colômbia, que era depois transportada por mar até portos na Costa Rica. Desta forma, evitavam os portos da América do Sul já fortemente vigiados, como o de Guayaquil, no Equador, conhecido pela elevada atividade de tráfico.
A droga era ocultada em remessas comerciais legais, nomeadamente caixas de ananases, paletes de madeira, e embalagens de yuca congelada. Esta última revelou-se particularmente eficaz para o tráfico, uma vez que, segundo explicou a Europol, a densidade e a cor da yuca dificultam a deteção da cocaína pelos sistemas de scanner alfandegários, e o congelamento neutraliza o faro dos cães treinados para deteção de estupefacientes.
Contentores com destino a vários portos europeus, incluindo Setúbal
Os contentores eram embarcados a partir da Costa Rica com destino a diversos portos da Europa, nomeadamente Antuérpia (Bélgica), Roterdão (Países Baixos), Hamburgo (Alemanha), Vigo (Espanha) e Setúbal (Portugal). O porto de Setúbal, em particular, era um dos utilizados com regularidade pela rede para fazer chegar a droga ao continente europeu.
Em dezembro de 2024, a PJ seguiu um destes contentores carregado com yuca congelada, que passou por Vigo antes de chegar a Setúbal. As autoridades optaram por não apreender imediatamente o carregamento, mas sim por acompanhar discretamente o percurso do camião que transportava o contentor até Sevilha, onde, já em articulação com a Guarda Civil espanhola, foi feita a intervenção e apreensão de 350 quilos de cocaína.
Empresa de fachada em Aveiro geria a logística da operação
O esquema tinha um dos seus pontos centrais de operação em Aveiro, onde funcionava uma empresa de importação de bens alimentares, gerida por dois cidadãos dominicanos, e criada por um traficante de nacionalidade dominicana e norte-americana, residente em Barcelona. Este indivíduo, com antecedentes por narcotráfico nos Estados Unidos, terá sido o mentor da estrutura em território europeu.
A função desta empresa era importar fruta e produtos alimentares da Costa Rica, usando as remessas como meio de dissimular a cocaína. Uma vez chegada a Portugal, a droga era retirada dos esconderijos nas instalações de Aveiro e posteriormente enviada, através da fronteira, para Espanha e outros destinos europeus.
Operações “Toro” e “Toro II” revelaram o alcance da rede
O desmantelamento progressivo da rede começou em junho de 2024, com a operação “Toro”, na qual foram detidos quatro cidadãos dominicanos e apreendidos 251 quilos de cocaína em paletes de madeira com ananases, também provenientes da Costa Rica. Entre os detidos estava um dos principais operacionais da rede, residente em Espanha.
A ofensiva prosseguiu com a operação “Toro II”, já em julho, e resultou na apreensão de mais 154 quilos de cocaína, desta vez novamente no porto de Setúbal, em contentores com o mesmo tipo de ocultação.
Mais de 5 toneladas de cocaína apreendidas em seis países
O trabalho de partilha de informação e cooperação policial internacional permitiu, ao longo dos últimos meses, detetar e apreender um total de 5.408 quilos de cocaína em 26 operações diferentes, em seis países:
- Portugal: 731 quilos em 5 casos, 7 detenções
- Espanha: 1.141 quilos em 4 casos, 13 detenções
- Países Baixos: 733 quilos em 4 casos
- Bélgica: 840 quilos em 5 casos
- Alemanha: 60 quilos em 2 casos, 5 detenções
- Costa Rica: 1.891 quilos em 7 casos, 12 detenções
No total, 37 pessoas foram detidas em resultado da ofensiva contra esta organização: 7 em Portugal, 13 em Espanha, 5 na Alemanha e 12 na Costa Rica.
Operação com impacto significativo no combate ao narcotráfico
Segundo fonte da PJ citada pelo Jornal de Notícias, este cartel era “uma das redes mais perigosas do mundo, não só pela quantidade de droga traficada, mas também pela sofisticação dos seus métodos e alcance geográfico”. A capacidade de operar com empresas legítimas, rotas diversificadas e sistemas de ocultação complexos, colocava-o entre os mais difíceis de desmantelar.
As autoridades admitem que, apesar do duro golpe infligido, a luta contra este tipo de redes exige monitorização constante, dado o potencial de reconfiguração das estruturas criminosas e adaptação a novas rotas e técnicas.
A empresa de Aveiro foi entretanto encerrada, estando a ser alvo de processos criminais e de investigação patrimonial, na tentativa de recuperar ativos e lucros ilícitos gerados com o tráfico de droga. A PJ prossegue também diligências para identificar eventuais conexões com outras estruturas de apoio logístico em território nacional.
Foto: Direitos Reservados